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Escola gratuita, mas não para todos

Apesar de muitos países da África Subsaariana terem abolido as mensalidades escolares, milhões de crianças ainda são excluídas da educação. Guerras, crises climáticas, migrações forçadas e pobreza continuam sendo os principais obstáculos.

 Foto de Bill Wegener - Unsplash.
Foto de Bill Wegener - Unsplash.

O slogan "educação gratuita" transformou-se apenas parcialmente em realidade na África Subsaariana. Embora a abolição das mensalidades seja o primeiro e mais simples passo para garantir o acesso à educação para todos, a implementação total enfrenta grandes desafios. Nos últimos anos, houve avanços, mas também retrocessos significativos. A pandemia de COVID-19, em particular, forçou o fechamento de escolas por muitos meses, levando à evasão escolar de milhões de crianças africanas, que só retornaram parcialmente. Anos depois, a dificuldade em preencher essa lacuna persiste. Situações de guerra, crises climáticas, êxodos forçados e pobreza extrema em várias partes do continente impedem o funcionamento regular dos sistemas educacionais, que muitas vezes não têm os meios para garantir a gratuidade em todos os aspectos.


Os desafios da educação

A África Subsaariana continua a ter as maiores taxas de exclusão escolar do mundo. De acordo com a UNESCO, quase 100 milhões de crianças não frequentam a escola. Mais de um quinto das crianças entre 6 e 11 anos não estuda, e um terço das que têm entre 12 e 14 anos também não. A porcentagem aumenta entre os adolescentes, com quase metade dos jovens entre 15 e 17 anos que não completam o ensino secundário inferior. Meninas e mulheres jovens continuam a ser as mais penalizadas.


A pobreza é um dos principais fatores de exclusão. Mesmo onde as mensalidades foram abolidas, as famílias precisam arcar com os custos de uniformes e material didático, além de fazer contribuições financeiras para complementar os salários baixos e muitas vezes atrasados dos professores. A meta 4 da Agenda da ONU para o Desenvolvimento Sustentável, que visa a educação inclusiva e equitativa, ainda está muito longe de ser alcançada. Em muitas partes da África, a pobreza impede o acesso à escola, e os baixos níveis de educação impedem o desenvolvimento e a melhoria das condições de vida da população.


O caso da República Democrática do Congo

Na República Democrática do Congo, a educação é um grande desafio, especialmente nas regiões orientais, desestabilizadas por trinta anos de guerra. O conflito, a crise econômica e social, a desintegração familiar e a fragilidade do sistema escolar se combinam para tornar o acesso à educação extremamente difícil.


O padre Aimé Lulinda, salesiano de Goma, explica: "A educação gratuita existe formalmente, mas não na realidade. Não há escolas ou professores suficientes. As turmas são superlotadas, com 70 ou 80 crianças, e o professor não consegue acompanhá-las adequadamente. Os salários são muito baixos e pagos de forma irregular. Com a inflação, são insuficientes para uma vida digna, e os pais são frequentemente chamados a contribuir."

A guerra agravou a situação. "As escolas ficaram inativas por cerca de dois meses, e os bancos ainda estão fechados, o que dificulta o pagamento de professores e funcionários públicos," afirma o padre. Ele observa o aumento alarmante do número de crianças de rua, que são um sintoma de uma crise mais profunda que afeta também o sistema escolar. Além disso, a violência em Kivu do Norte, agravada pela ocupação do Movimento M23, apoiado por Ruanda, deslocou centenas de milhares de pessoas. "Para todos eles, é extremamente difícil mandar os filhos para a escola, e isso terá um impacto muito negativo em seu futuro", diz Lulinda.


Desafios e sucessos

"Uma das coisas mais importantes que os governos podem fazer é tornar a educação acessível e gratuita," observa Jo Becker, da divisão de Direitos das Crianças da Human Rights Watch. Nos anos 90, a eliminação das mensalidades na educação primária em muitos países teve resultados extraordinários.


Em Malaui, a abolição em 1994 resultou em um aumento de 50% nas matrículas em um ano. No Quênia, a gratuidade do ensino primário em 2003 matriculou 2 milhões de novos alunos. No entanto, o país não tinha salas de aula e professores suficientes para garantir educação de qualidade. A pandemia de COVID-19 exacerbou o problema, levando à evasão de cerca de 1,5 milhão de estudantes quenianos.


Em Uganda, onde as escolas ficaram fechadas por 22 meses, a dificuldade de acesso ao ensino secundário e pré-escolar é um problema adicional. "Uma pesquisa recente mostrou que a maioria das crianças perde completamente a educação pré-escolar porque o governo não a financia e as famílias não podem pagar escolas particulares", explica Becker. Isso impacta o desempenho futuro, tornando essas crianças mais propensas a repetir anos e abandonar a escola. A análise de custo-benefício, no entanto, sugere que o investimento no ensino pré-escolar gratuito poderia ser compensado pela redução de taxas de reprovação.


Outro obstáculo é o custo do ensino secundário. Em nível global, menos de 60% das crianças completam essa etapa, e os custos são uma barreira para muitas famílias e governos.


Apesar disso, alguns países estão fazendo esforços significativos. Gana, que introduziu a educação básica universal gratuita e obrigatória em 1994, comprometeu-se em 2017 a garantir também o ensino secundário. "Hoje, o país tem a terceira maior taxa de matrícula na África Subsaariana, tanto no pré-escolar quanto no ensino médio. A política de ensino secundário gratuito reduziu as taxas de pobreza, especialmente em famílias chefiadas por mulheres," explica Becker.

Outros países, como Ruanda, Quênia e África do Sul, também foram pioneiros na gratuidade do ensino secundário, seguidos por Madagascar, Serra Leoa, Malaui, Namíbia, Tanzânia e Zâmbia. Em 2023, o Sudão do Sul, onde 70% das crianças em idade escolar não frequentam a escola, anunciou a introdução do ensino secundário gratuito.


No entanto, a realidade é complexa. "O governo muitas vezes não tem liquidez, e os professores são pagos com muito atraso," confirma um professor de Bentiu, Sudão do Sul. "Com a inflação galopante, o salário que recebemos é totalmente inadequado." Em muitos lugares, as comunidades organizam suas próprias escolas, onde os professores muitas vezes não são qualificados. Em ambos os casos, as famílias precisam complementar os salários dos professores e pagar uma "taxa" para os exames trimestrais. Assim, mesmo em um país com a menor classificação no índice de desenvolvimento humano, a educação que deveria ser gratuita não é.


Por Anna Pozzi - Mondo e Missione - tradução e adaptação Valesca Montenegro - Mundo e Missão

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