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O Papa missionário: um rosto a ser descoberto dia após dia

Leão XIV no Peru viveu a missão em primeiro lugar, por muito tempo, como razão de vida: isso é algo novo para um pontífice. Ele já falou de forma contracorrente sobre a autoridade como um “desaparecer para que permaneça Cristo”. A escolha do nome demonstra liberdade de condicionamentos e expectativas, mas também enraizamento em uma história milenar de fé. Foi escolhido por suas qualidades humanas: erra quem se apressa em enquadrá-lo em lógicas geopolíticas.

Créd. Reprodução Mondo e Missione

Antes de tudo: Leão XIV é um Papa missionário. Sem dúvida o primeiro dos tempos modernos e, talvez, de toda a história da Igreja. A vocação missionária é o elemento qualificativo da vida de Robert Francis Prevost. Ele disse isso explicitamente nas (bastante raras) entrevistas disponíveis na internet. Agora estamos conhecendo seus vinte anos em Chiclayo, diocese no noroeste do Peru, onde se dedicou a alcançar as pessoas nos vilarejos mais remotos, a pé ou a cavalo, como os antigos missionários. Não é pouca coisa, para nós missionários, ter um Papa que não apenas convida à missão, mas que a viveu em primeiro lugar, por muito tempo, como razão de vida. Isso faz diferença.


Durante séculos, a missão foi considerada uma atividade marginal de alguns poucos missionários enviados ao exterior, enquanto a Igreja permanecia em seu território, ocupada e centrada em si mesma. A missão não influenciava o pensamento da Igreja: a teologia da missão não fazia parte (e em muitas faculdades ainda não faz) do currículo teológico. Agora já não é assim: a missão é o coração da teologia e do pensamento eclesial. O Papa Leão confirmou isso desde a primeira noite: “Devemos procurar juntos como ser uma Igreja missionária, uma Igreja que constrói pontes, o diálogo, sempre aberta a acolher, como esta praça de braços abertos”. Construir pontes (o exato oposto de levantar muros) é um programa inscrito no próprio termo pontífice, e está também em nosso nome: Instituto Pontifício das Missões Estrangeiras.


Igreja missionária, ou seja, missão que pertence ao povo de Deus. Na noite do habemus papam, Leão citou uma conhecida frase de Agostinho: “Com vocês sou cristão, para vocês sou bispo”. O mesmo Agostinho, referência espiritual e teológica do Papa Leão, explicou bem o significado: ser cristão é sinal da graça e ocasião de salvação. Ser bispo, por outro lado, é uma incumbência recebida e uma ocasião de perigo. Em resumo, a graça e a salvação são patrimônio de todos os batizados e contam infinitamente mais do que os cargos que os distinguem. A graça do batismo, no qual recebemos o próprio nome de Cristo, é o fundamento da dignidade igual entre os crentes e da participação deles na mesma missão. Que a autoridade conte menos, e que seja até mesmo perigosa, é algo que Leão confirma ao afirmar, diante dos cardeais, que é “um compromisso inegociável, para quem exerce um ministério de autoridade na Igreja, desaparecer para que permaneça Cristo”. Que programa luminoso e contracorrente.

A escolha do novo Papa me surpreendeu, e por isso não tive pressa em escrever estas linhas. É preciso uma reflexão pausada, em vez de rapidez que se traduz em superficialidade e imprecisão. Não conhecia pessoalmente, nem sabia nada sobre o cardeal Prevost antes dos dias que antecederam o conclave. Tinha visto seu nome entre os papáveis, mas o excluía com esta motivação: não haverá um Papa dos Estados Unidos, a grande superpotência, agora mais do que nunca malvista em várias nações do mundo. Li sobre sua segunda nacionalidade peruana e sobre seu forte vínculo com o episcopado sul-americano: mas pensei que a América Latina já havia tido seu Papa. Era, antes, o tempo da Ásia — por razões que me pareciam válidas. Da Ásia vinham ótimos candidatos. Percebo agora a inadequação das minhas previsões, demasiado baseadas na interpretação da globalização eclesial como uma estratégia necessária. Outros comentaristas cometem agora o mesmo erro, enfatizando fortemente a nacionalidade do Papa como se fosse a coisa mais importante sobre ele, ou até considerando sua eleição uma resposta ao presidente Trump. Certamente, os cardeais não se rebaixam a esse nível.


Convenci-me, ao contrário, de que o cardeal Prevost foi eleito por suas qualidades humanas, culturais, intelectuais, espirituais, pastorais e missionárias: são essas as únicas coisas que realmente importam, já que na Igreja ninguém é estrangeiro ou avaliado por sua origem. Acredito que os cardeais não pensaram que os continentes devessem, por turnos, expressar um Papa: escolheram simplesmente a pessoa considerada a melhor. Prevost não era conhecido do grande público, mas acredito que, nos anos de serviço em Roma — primeiro como prior geral dos Agostinianos e depois como prefeito do Dicastério para os Bispos —, tenha sido conhecido por muitos, deixando, sem alarde, uma marca positiva no coração de quem o conheceu e depois o elegeu.


A primeira palavra do Papa foi paz: a mesma pronunciada por Jesus ressuscitado e ressoada na noite do seu nascimento. Paz qualificada com adjetivos muito evocativos, desarmada e desarmante, sobre os quais já escrevemos aqui. Escolheu o nome Leão, em referência a Leão XIII, que para responder aos desafios da Revolução Industrial inaugurou a doutrina social da Igreja, um patrimônio de ensinamentos — digo eu — ainda em grande parte desconhecido e não aplicado. Hoje somos arrastados pela avassaladora revolução da inteligência artificial, com profundas consequências antropológicas e sociais, e, portanto, assim como fez Leão XIII, o novo Papa terá especial atenção aos temas da justiça social, da dignidade humana e do trabalho. Em resumo: delineia-se um programa de justiça e paz. O Papa quer comprometer a si mesmo, a Igreja e toda a humanidade na realização desses dois bens fundamentais que decorrem do anúncio do Evangelho.


Acho, no entanto, que, por mais sugestivo e bem motivado que seja, o nome Leão é uma referência um tanto distante e imediatamente significativa apenas para poucos. Talvez haja outros motivos devocionais muito pessoais, mas acredito, sobretudo, que o Papa tenha escolhido um nome inesperado como ato de liberdade pessoal e íntima. Liberdade de condicionamentos e expectativas que os nomes dos Papas mais recentes podem carregar. A comoção e a timidez de sua primeira aparição me fazem pensar em um homem que tem, sim, consciência de seus limites, mas que também é capaz de ser sinceramente livre, ninguém mais além de si mesmo. É o décimo quarto Papa a se chamar Leão: parece-me que ele não quer se apresentar como o início de algo novo, mas, mais simplesmente, como parte de uma história milenar de fé que o precede e o seguirá, que vem de longe e que continuará mesmo depois dele.


Por Gianni Criveller - Mondo e Missione - Tradução e adaptação Valesca Montenegro Franca

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