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Combonianos: um irmão com os povos indígenas

Como irmão comboniano, tive a sorte de fazer experiências diferentes em 3 jurisdições do Sul América: Colômbia, Equador e Brasil.


Atualmente estou no extremo norte do Brasil, na região amazônica.

Cheguei à comunidade comboniana de Boa Vista no começo de 2020. Estava com bastante expectativas porque sabia que o trabalho principal era com os povos indígenas. A partir dos meus primeiros passos na América Latina comecei me interessar pelos povos originários, mas era minha primeira experiência direta em uma comunidade comboniana. Também trazia na minha bagagem muita curiosidade sobre a cultura deles. Estava bem emocionado.


Foto: Arquivo dos Missionários Combonianos

Meus primeiros meses nesta nova realidade não foram fáceis, principalmente pela pandemia da COVID-19 que nos manteve muito tempo encerrados ou sem permissões para visitar as comunidades indígenas. Mas foi uma oportunidade para crescer como fraternidade comboniana: nos conhecemos melhor e aprendemos reciprocamente.

Atualmente somos 4 confrades de 3 nacionalidades diferentes. É uma comunidade com a prioridade pastoral especifica do acompanhamento dos povos indígenas. Na diocese de Roraima o trabalho pastoral com os povos indígenas tem uma historia bem interessante, de muito compromisso, entrega missionária e experiências realmente significativas. Os combonianos participamos somente dos últimos 20 anos desta historia.


A partir de 2003 sempre trabalhamos com 2 povos indígenas: Macuxi e Wapichana, que representam mais do 50% do total da população indígena no estado de Roraima. São povos com varias décadas de contato com os brancos, por isso todos falam português.

Passados os primeiros terríveis meses da pandemia, devagar conheci as estradas para chegar a cada comunidade, distantes entre 55 e 230 km da capital Boa Vista. Quase todas as comunidades podem ser alcançadas por estradas de chão, que viram de difícil acesso ou impraticáveis no tempo das chuvas.


Os primeiros contatos com os indígenas não foram “tão afetuosos”. Acho bem normal uma acolhida bastante fria devido às lembranças dos colonizadores e invasores brancos, que prometeram melhorias e desenvolvimentos, mas deixaram só exploração e violência. No começo a desconfiança é justificável. Aos poucos, eles foram me conhecendo e eu fui ganhando sua confiança. É um processo de escuta, de diálogo e de presença no território.


Sendo o único irmão da comunidade, meu compromisso com os povos indígenas não é de caráter litúrgico/sacramental. Tento acompanhar mais de perto as juventudes indígenas e os movimentos/associações indígenas presentes no território. Outra vertente importante do trabalho no âmbito social é a defesa das terras indígenas que, embora já demarcadas na sua maioria, sofrem constantes ataques de fazendeiros, garimpeiros e políticos interessados na redução dos direitos indígenas.


Uma riqueza que encontramos no nosso trabalho pastoral é a diversidade de realidades indígenas: acompanhamos praticamente 3 regiões, cada uma com características próprias. Duas delas, Baixo e Médio São Marcos, estão demarcadas em área continua, é dizer possuem um vasto território onde os povos indígenas têm autonomia para criar novas comunidades ou muda-la de lugar. A terceira região, Murupu, é demarcada em ilha, é dizer possuem um território bem reduzido que as vezes corresponde somente ao limite de uma comunidade.

Pelas características específicas além de uma riqueza é um desafio. E para acrescentar a complexidade, Murupu é acompanhada por uma organização indígena chamada CIR, no entanto as outras duas regiões são acompanhadas pela APITSM. As organizações indígenas citadas dialogam mas manifestam também certas divergências. Como pastoral indigenista da igreja católica de Roraima somos parceiros das duas organizações.


Outro desafio importante é a sustentabilidade dos territórios indígenas. São poucas as comunidades com roças comunitárias ou até familiares. O trabalho na roça está desaparecendo aos poucos. Os alimentos consumidos são quase todos processados, comprados no mercado. Os jovens sonham em estudar na cidade e ser profissionais. Os que pensam voltar para a comunidade, pretendem fazê-lo já com um nível de instrução superior (professor, enfermeiro…), para garantir um salário.


Nas comunidades indígenas os jovens são aqueles que mais sofrem com o impacto da tecnologia e, a través dela, com a sociedade ocidental globalizada. Praticamente em todas as comunidades atendidas pelos combonianos há acesso a internet. Por esta razão moças e rapazes passam muitas horas do dia navegando e desejando modelos da cultura dominante: futebolista, modelo, cantor, ator… Eles e elas sabem que tais ideais de vida não podem ser alcançados na comunidade indígena. Então tentam a “aventura” na cidade. Rapidamente se dão conta do quanto vai ser difícil sobressair. E ainda mais sentem o “peso” de ser indígena; na cidade os preconceitos e até formas de racismo são bem evidentes em todos os espaços. O choque cultural que os jovens sofrem é uma, embora não a única, das razões da baixa autoestima, com casos frequentes de depressão, automutilação, suicídio e tentativa de suicídio.


Mas graças a Deus temos um número significativo de jovens que, engajados no movimento indígena (reivindicação dos direitos indígenas, do território, da cultura…), parecem ter achado uma causa para viver. São os jovens que lideram as manifestações do dia dos povos indígenas, do Acampamento Terra Livre, das manifestações contra o marco temporal, etc. É um sinal forte de esperança de hoje e sobretudo para o futuro dos povos indígenas em Roraima.


Outro elemento de esperança é a crescente liderança das mulheres, tanto no movimento indígena como no âmbito político. A primeira deputada indígena, agora presidenta da FUNAI é uma filha do povo Wapichana de Roraima. Me parece que as mulheres, preparadas também academicamente, são mais responsáveis e coerentes do que os homens indígenas. Embora ainda possa ser cedo para afirmá-lo, o protagonismo das mulheres indígenas está acabando aos poucos com o machismo presente nas comunidades.


Os desafios ainda permanecem muitos, mas os sinais de esperança também estão presentes. O trabalho missionário com os povos indígenas é exigente, questiona, obriga a sair da zona de conforto; é verdadeiramente um trabalho de fronteira. Acho que como igreja e como combonianos estamos chamados a dar uma resposta na defesa da vida e sobrevivência desses povos originários. Se o futuro da Amazônia está em perigo, também é pelos ataques indiscriminados que a partir de 1500 e até hoje os povos indígenas estão sofrendo.

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