Cuidar da água e defender o direito à água nos levam a defender a nós mesmos e a nossa existência; e nos dão a oportunidade da boa convivência humana, aprendendo a tratar a todos como irmãos.
“O uso irracional da água, as ações que não olham ao redor e se perguntam se há ou não água suficiente para serem implementadas e quais consequências podem ter (...) são uns dos sinais mais evidentes da falta de cautela e de cuidado pela vida humana e de todos os demais seres vivos.” Esta grave expressão da antropóloga, professora e ativista ecofeminista espanhola Yayo Herrero levou-me a um e-mail que recebi há poucos dias de um amigo missionário na Itália. No texto que meu amigo teve a gentileza de me enviar encontrei vários dados e elementos interessantes que, além de um diagnóstico da situação em que estamos vivendo em relação à água e ao direito à água potável para todos, poderiam, do ponto de vista ético, gerar e reforçar propostas atuais e mais que urgentes em âmbito pessoal, político, educacional e cultural.
Vamos ao referido diagnóstico:
No nosso planeta, 71% da superfície estão cobertas por água e apenas 2% são de água doce, sendo que, destas, aproximadamente metade é acessível. A outra metade está retida nas geleiras polares e no alto das cordilheiras. A quantidade de água hoje disponível é a mesma que havia no ano 1800, só que, obviamente, a população humana passou de um bilhão de pessoas para mais de 7,7 bilhões. O que assombra no diagnóstico é que mais de 2,1 bilhões de pessoas no mundo não têm acesso seguro à água potável e 4,5 bilhões não dispõem de rede de saneamento adequada.
Ninguém fabrica água: nenhum sistema econômico e nem a avançada tecnologia dos povos ‘produzem’ água: é a própria dinâmica da natureza que é responsável por regenerá-la. Aquilo que às vezes se define, de forma bastante equivocada, como ‘produção de água’, é simplesmente o fato de determinada nação tratar a água com elementos químicos para torná-la potável ou engarrafá-la, transportá-la e vendê-la para o consumo humano.
As iniciativas de privatização e monopolização da água são constantes, inclusive porque dominar as fontes, a distribuição, a purificação e o saneamento da água tornam-se, cada vez mais, um negócio muito lucrativo e seguro. É evidente que os povos, através de leis e de regras claras, precisam garantir soluções e escolhas de fraternidade, de democracia e de justiça em relação à água como um bem comum para todos. Afinal, esse precioso líquido é a única condição necessária para os seres humanos continuem a viver, a enxergar, a pensar, a respirar e a pulsar: “somos água, são água os 83% de nosso cérebro, os 75% do coração, os 85% dos pulmões e os 95% dos olhos; e, sendo assim, o nosso olhar, o pensamento, a respiração e os batimentos cardíacos dependem essencialmente da água”, insiste Yayo Herrero.
Em nível de conscientização pessoal, todos os seres humanos são convidados a tratar o direito à água com maior consciência e responsabilidade, tanto do ponto de vista das oportunidades, como do ponto de vista dos limites; e a humanidade é convocada a planejar o seu consumo, levando a sério os próprios deveres em vista da construção de um futuro mais digno e mais humano para todos.
Em âmbito político, todos os governantes, todos os partidos e todas as instâncias de poder são convidados a colocar a vida e o respeito pela vida no centro dos próprios projetos e das próprias estratégias. As instituições que regulam a vida nacional dos países devem buscar o diálogo nas sociedades e a agregar consensos para pensarem, não somente nas necessidades como também nos caminhos viáveis para satisfazê-las de maneira justa, ética e participativa.
Na esfera educacional, tanto os professores como os seus alunos são convidados a aprofundar o conhecimento, por exemplo, das rotas atmosféricas superficiais e subterrâneas das águas; assim como precisam conhecer as mudanças climáticas que estão alterando o ciclo da água: se os oceanos se aquecem e as geleiras se derretem, o nível dos mares sobe e, consequentemente invade extensas áreas urbanas e rurais. Aquíferos subterrâneos e rios tendem a se contaminar com as toneladas de resíduos químicos despejadas em seu leito e nos solos, agravando a ‘saúde’ já precária do planeta, o único capaz de ainda nos manter vivos.
No campo cultural percebe-se a exigência e a urgência da elaboração e da divulgação de propostas, sérias e concretas, para os seres humanos aprendam a diminuir os gravíssimos processos de poluição, a garantir o acesso à água potável para todos e a planejar as cidades, lembrando o princípio da destinação universal dos bens da Terra e, consequentemente, o direito de todos os seres vivos ao seu uso.
Cuidar da água e defender o direito à água nos levam a defender a nós mesmos e a nossa existência; e nos dão a oportunidade da boa convivência humana, aprendendo a tratar a todos como irmãos.
A matéria "Ética e o direito à água" saiu na seção Ética da revista em dezembro 2022 na edição 268 ano 29 pelo pe. Gabriel Guarnieri, missionário xaveriano.
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